20 setembro, 2014

O dia dela



Parece que estou um pouco velho pra essa coisa da faculdade, esse ritmo que pessoas que acabaram de sair da adolescência levam por vida. Estou acostumado com a vida antiga, almoço em casa, trabalho, estúdio, gente madura e responsável e quieta. Mas, se não fosse a universidade, esse dia não teria ocorrido. E nenhum dos dias seguintes. Eu as vezes fico imaginando, tinha outras duas mesas na biblioteca, se eu tivesse sentado em outra, eu nunca a teria conhecido. E se eu não resolvesse meter o bedelho onde não fui chamado, ela nunca teria se manifestado. E se ela não se chamasse Cecília e nao falasse sacudindo os cabelos, talvez eu nem a notasse. E eu não viveria as"reinações " que ela cria. Se eu acreditasse em destino, diria que o nosso estava escrito para se cruzar naquele dia. Eu poderia culpar algum meteoro estrela, raio pela minha paixão. Eu não sei se estava escrito, previsto, se isso tudo é uma grande coincidencia. Sei que de 5000 usuários diarios naquela biblioteca, eu e ela estávamos na mesma hora, no mesmo lugar e isso foi suficiente pra alterar o que sobrou da minha vida. 
Tudo começou quando sentei numa mesa na biblioteca, entre dois grupinhos de estudo. Por mais que tentasse me concentrar, a criatura que estava de costas pra mim não parava de tagarelar, ignorando o fato de estarmos numa biblioteca. "É exatamente isso que eu não gosto no meu curso: A coordenação não explica nada, não me diz nada sobre minhas notas que não entram no sistema desde o ano passado.  Aliás, nem gente naquela coordenação tem, só tem aquela secretaria que sempre fala ' a corrdenadora não chegou ainda, volte mais tarde'" E ela fazia voz de falsete pra imitar a secretária.   Não dava pra ver o rosto deles, só ouvia as vozes e as gargalhadas da menina. Resolvi ajudar eles dois na empreitada, virei pra mesa deles, olhei apenas para ele e dei as informações sobre onde entregar o atestado médico para a prova.  A criatura que estava de costas -  com um casaco de desenho animado - ao invés de agradecer e seguir seu caminho, replicou, não acreditou, perguntou como é que eu tenho certeza daquilo. Um tom de mimo, que a tornava quase petulante.  Eu comecei a responder e ela virou para me encarar. Soprou a franja e piscou os olhos com um ar tão curioso que eu fiquei sem ação. Demorei mais que o habitual pra responder, titubeei e respondi que eu sabia porque já fiz segunda chamada. “De que?” foi a próxima pergunta da moça. Ela me olhava e sorria como se tivesse que ser simpática, mesmo não me conhecendo. Olhava o celular e olhava pra mim, esperando uma resposta. Eu expliquei que já fiz faculdade antes, que meus amigos já fizeram isso, que eu já fiz isso antes, que era fácil de resolver. Ela continuou sorrindo. Em 32 anos, não me lembrava de ter visto uma pessoa sorrir por tanto tempo ao ouvir uma informação irrelevante. Ela me agradeceu e voltou a discutir com o menino algum outro assunto. Perguntou se eu poderia emprestar uma lapiseira para ela terminar de escrever. Dei minha lapiseira predileta para ela e até hoje ela não voltou para minhas mãos.
A mulher - que ainda não tinha nome - continuou tagarelando do meu lado, sobre a viagem que fez no carnaval, sobre os cachorros loucos que tinha na universidade e do nada ela olha pra mim e pergunta "Tem cachorro?" Me surpreendi com a pergunta - do nada - e respondo que crio uma do meu primo. Ela pediu pra eu contar a história do cachorro.  Terminei de contar e ela ria das desventuras do meu cachorro louco. Contou histórias dos seus gatos. E terminou a história dizendo "Mesmo que você não tenha perguntado isso, me incomodo em não saber o nome das pessoas com quem eu falo. Estranho, como é seu nome?" Tive que rir, porque ela emendava uma pergunta na outra. "Fernando", eu digo, "Cecília" ela diz logo em seguida. E volta a conversar com o amigo do lado e me ignorar completamente. Fiz menção de que ia voltar aos meus afazeres e ela virou-se abruptamente e perguntou "quer chiclé?" e eu educadamente recusei e ela insistiu dizendo que tinha odiado e precisava se livrar dele. Aceitei e coloquei na boca e não vi nada demais no chiclete - porque diabos ela falava chiclé?? - e ela sorriu satisfeita 

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