07 novembro, 2011

Das obviedades


Laura pegou a pipoca, o suco e o chá gelado para ela e levou para a sala. Já que Beto resolveu chegar antes da hora do almoço e Ruiz ainda não havia chegado a casa dela  para estudar, os dois resolveram assistir algum filme qualquer. Aleatoriamente pegaram alguma comédia romântica, daquelas bem óbvias e açucaradas e no meio do filme, quando os personagens principais já tinha certeza que ficariam juntos, Laura se remexia inquietamente no sofá, despertando a curiosidade de Beto, que estava no outro sofá e lançou uma almofada na direção dela e perguntou:
- Tá sentindo o que Maria Preá ? Manifeste-se - e tomou o controle nas mãos e pausou o filme.
- Nada. Só estou me frustrando com a história desse filme
- Viu, eu disse que era melhor ver pela milésima vez "Jogos Mortais 5", a gente só faz rir naquele filme e aí a gente fica vendo esses filmes que não tem nada a ver com nossa vida e...
- Sabia que eu não era única. Sabia que isso também te incomodava
- Olha Maria Preá - e levantou as mãos para agarrar a almofada que veio em sua direção - não sei do que você está falando.
- Estou falando de como é irritante saber que num filme as pesoas em 90 minutos encontram um par e eu numa vida não consigo fazer isso. Tenho medo de ser tão seletiva e ficar sozinha para sempre. Eu não consigo ver uma pessoa que sirva para passar uma vida inteira comigo. Nem pessoas para passar 10 minutos comigo eu tenho achado. Quantos namoros foram desfeitos antes mesmo de eu conseguir levá-lo a sério ?  Vejo as pessoas namorando, casando, formando suas famílias e eu... esperando. Vamos nos formar daqui a alguns meses e quase todos que andavam com a gente já arranjaram seus pares. Não é estranho isso ? Por isso que eu acho que o problema está comigo.
Beto nesse momento levantou e pegou a almofada que havia atirado em Laura anteriormente, colocou no sofá e deu um soco nela, como se tentasse justificar o que falaria a seguir:
- Tenho essa mesma impressão, Laura. Parece que falta alguma coisa em todas as mulheres, e eu não sei o que é. Todos os relacionamentos que eu tive nos últimos anos foram terminados por mim. Minha família me cobra se eu não darei netos a meus pais. Eu também me pergunto isso, e parece que não, nenhuma das moças que eu namorei eu tive vontade de levar ao altar. Agora que Ruíz vai casar, só sobra eu. Até que eu achei legal ser solteiro durante muito tempo, mas agora... parece estranho saber que isso é o que está condicionado para mim e eu não terei escolha.
Quando terminou de ouvir isso, Laura esboçou um sorriso duvidoso e perguntou:
- Posso ficar feliz por não ser a única em estar nessa situação, Beto ? Juro que achei que você gostasse de não estar compromissado, sempre foi essa a impressão que você me deu.
Beto pensou por dois minutos, saiu do sofá, deitou no chão, fez menção que iria falar e não disse nada. Ao invés disso, encheu a boca de pipoca e pôs-se a mastigar
- Fala, Beto. Se começou, termine, pare de enrolar - e deu um chute de leve no dorso do amigo.
- Não sei se gosto. - respondeu ele - Talvez. Também achava que você gostasse dessa vida de solteira por opção.
Nesse momento, enquanto mantinha ainda uma posição séria, Laura sentou-se no chão onde Beto estava deitado e continuou:
- Gostei tanto que virei "solteira por falta de opção". Não ria, isso não é nada engraçado - falou Laura também rindo da própria sorte. - Acho que vou ligar para o Fernando e perguntar se ele não quer sai comigo. Uns anos a mais devem ter feito bem para a mente daquela criança com músculos. Soube que ele ainda está solteiro também, será que ele ainda lembra de mim, dois anos depois de tudo aquilo - e voltou a ficar séria lembrando da discussão que Fernando promoveu num momento de raiva e culminou no fim de seu relacionamento após três meses. O cúmulo do desequílibrio.
Beto parou de beber o suco na metade e perguntou apreensivo:
- Você está brincando, não é mesmo ? Claro que eu não vou permitir. Acesso negado para ele. Ele é um pateta daqueles graduados - e ficou sério, esperando que ela concordasse e continuou num tom de provocação - e se você voltar para Fernando, vejo -me no direito de voltar com Lícia, aquela gata e que até hoje não resiste ao meu charme, nós sabemos disso.

Laura beliscou fortemente o braço dele e não falou nada. Aquele foi o jeito mais explícito dela dizer que não concordava com a ação de Beto. 

- AAAI! Estamos quites agora ? Você sem Fernando, eu sem Lícia e nós dois sem problemas. Resolvido ?

- Ridículo. Se quiser voltar para Lícia, volta. Possessiva, ciumenta e controladora. Um amor. - falou ironicamente Laura - Aliás, comparando elas a outras namoradas suas, ela até parece uma boa moça. Mas, se tivesse que escolher alguma, seria Amanda.
- Ah, Amanda. Que está grávida do segundo filho, casada há 5 anos e que eu namorei quando estava saindo da adolescência. Ela é a minha ex que você prefere ? 
- Sim, ela era legal, era quieta, comportada, dedicada e bonita. Agora responda, qual meu ex namorado que se salva para você ?


-  Nenhum deles. Primeiro que eu não gosto de homem nenhum -  e quando falou isso ouviu um muxoxo de reprovação de Laura - e segundo que você tem dedo podre para escolher namorado.

- Do jeito que você fala parece que tive infinitos namorados, quando no fim, tive três namorados sérios. Fui tão seletiva e escolhi errado todas as vezes.

- Só porque você tem um faro especial para homem imaturo, caloteiro, cafajeste e ciumento não significa que fez escolhas erradas. Significa que atrai pessoas erradas.
- Idiota - resmungou Laura - Vamos terminar de assistir o filme que é melhor do que tentar conversar algum assunto sério com você.
Cada um voltou para o seu canto no sofá e recomeçaram com o filme. Depois de 30 minutos, acabou. Pouco tempo depois Ruiz avisou que não iria mais estudar,  como se eles já não tivessem percebido isso sozinhos. Resolveram os exercícios, dividiram o assunto do seminário e ainda revisaram para a prova de outra matéria. Riram de muitas bobagens e conversaram muitas amenidades. Prepararam macarrão instantâneo para "almojantar" e saíram juntos para tomar sorvete na rua. Quando Beto decidiu que era a hora dele voltar para casa que já ia dar 22h e eles ainda estavam na rua, deu um beijo na testa de Laura e falou:
- Maria Preá, vou indo que eu não quero amanhecer na sua casa não, viu - riu, fez uma pausa e continuou - E sobre aquilo que conversamos mais cedo,  para você não se achar tão péssima, preciso te confessar uma coisa:  eu não sou do tipo errado que você gosta - e fez uma careta - mas sei que casaria fácil com você. E eu não estou falando isso para te consolar, não. Eu realmente acho que com você daria certo aquele velho esquema namoro - noivado - casamento. Do jeito que você é estranha, seria até divertido morar na mesma casa que você.  Mereço camisa de força ?
- Tratamento psiquiátrico já para você, por favor - respondeu Laura, que para surpresa de Beto sorria, mas tentando esconder os olhos marejados de lágrimas - Obrigada pelo apoio moral. Você também é um tipo altamente namorável, eu acho. Você só deixa a toalha molhada em cima da cama que eu sei, mas isso é algo relevante. Se me pedir em casamento, eu aceito - e riu tanto que se desequilibrou e sentou na calçada.
- Então, tá certo. Na próxima vez que eu vier aqui já trago o anel - falou ele enquanto andava na direção oposta a casa de Laura. Por fim, acenou e foi pra o seu destino.
 E desde aquela noite, os filmes de romance ganharam um novo sentido para Laura. Claro que é possível que o amor esteja bem na nossa cara, esperando só uma oportunidade do destino (?) para se aproximar. Por longos anos, Beto também foi obrigado a gostar desse gênero, já que a história do melhor amigo que depois de namorar com várias descobre que a melhor amiga é a pessoa ideal... bem, ele não acha que isso seja tão clichê quanto parece. E tudo doi