06 setembro, 2012

Rabiscos de ontem - 1

Estou a uma pequena distância de um abismo. Tenho medo de ir.

Nesse tempo estou levemente desconcertada (se é que posso considerar um nível "leve" para o desconcerto da alma), completamente angustiada e por fim, desnorteada. Esse momento é um daqueles que eu costumo chamar de "momento bloqueio", em que eu restrinjo tudo e todos. A ordem que era "existir, contruir e sobreviver" tem se tornado "fugir, cair, sofrer, cair...". Imagino que esse é um bom indicativo que está na hora de entregar os pontos e ver a realidade, independente de qual seja ela. Estou caminhando para frente, mas lembra que estava a pouco espaço de um abismo? No momento estou a poucos passos de ver o fundo do "Abismo da Agonia". Se eu tivesse batizado esse abismo, ele se chamaria "Abismo da Agonia e Insegurança". Tem um redoma de vidro que está me rodeando, que acha que está me protegendo, mas ela está rachada nesse momento. Alguém me disse que ela era inquebrável, entretanto não é isso que percebo. Cada passo que eu dou me afasto do que eu chamava de "Bosque Encantado" - mesmo que ele não tivesse nenhum encanto a muito tempo. Venho pensando que sou muito complexa, que sou vasta, que sou grande, que não posso ficar restrita a essa estufa de vidro que me rodeia. Não consigo entrar em contato nem com meu inacabado próprio. Ela está rachada, isso é um consolo para mim. Só que eu sei que consolos não resolvem problemas, só amenizam eles até que você esqueça um pouco deles e pense em outra coisa. Tem quem goste de ser consolado, tem quem goste dos paliativos. Eu não. Eu gosto de resoluções. Ser consolada no ponto em que eu me encontro nada resolve. Minha respiração já está ofegante de andar em direção ao vácuo. Quanto mais eu ando, mais a rachadura aumenta. Começo a notar gotas caindo. Seria chuva? Tem uma placa escrito "Vida", eu acho. Não consigo ler direito, as gotas embaçam tudo a minha frente. Tenho que me apressar, tenho um prazo a cumprir. A felicidade tem data e hora pra ocorrer, dizem que é depois do fim da caminhada. E a única coisa que eu ainda sei da caminhada é que no fim tem um abismo. E o fim está próximo. 

(...)

Estar sozinha nesse momento faz toda a diferença. Essa redoma precisa ser quebrada, porém essa tarefa é minha. Não, não me ofereça ajuda. Não estar presa a ninguém é importante para que eu ande mais rápido. Ouço o vidro trincando, acho que ele não foi feito para lugares de solo rochoso como esse que eu estou agora. Lá fora é quente. Aqui dentro tem um gelo derretendo, enchendo a redoma de água. Continuo sem ver para onde vou, mas sinto que estou perto. Sinto meu desespero me chamando, consigo ouvi-lo claramente. O som vem de baixo, já devo estar perto do abismo. Quebra, redoma! Vou arriscar. Coloco o pé. Não tem nada embaixo, já sei que é aqui mesmo o lugar onde devo estar, cheguei no Abismo da Agonia. Não sinto mais nada embaixo dos meus pés, tem um vento gelado passando e eu perdi a coragem de abrir meus olhos. Não vou gritar. Ouço um estrondo. Meu rosto toca o chão. Não foi minha queda que fez o barulho, ouvi antes. Não consigo me mexer. Seria isso a tal felicidade que todos buscam? Abro os olhos. Ao meu redor vários estilhaços de vidro. Um último cai tilintando perto de mim. Sorrio ao ver a redoma em cacos. Estou livre. Dever cumprido. Posso parar de sentir. E acordar. Então, fecho os olhos, de novo.

Adaptação de um texto meu de 2007 que eu achei num caderno perdido aqui em casa