25 maio, 2012

Relato de uma vegetariana em crise alimentar

Para ouvir: I don't know what to do - Pete Yorn e Scarlett Johannson

Meu nome é Mariinha e eu sou uma vegetariana em declínio desde que comi carne a 6 semanas atrás
Um belo dia resolvi melhorar minha vida. Mudei meu cabelo, minhas roupas, meus livros, mudei de casa, mudei. E dentre todas as mudanças, vieram as mudanças no hábito alimentar. Resolvi ser vegetariana. E cortei a carne da minha vida.  Eu não deixei de comer carne porque era ruim. Tinha e tenho até hoje consciência que é muito bom. Tornei-me vegetariana porque achei que era uma alternativa mais saudável, que me traria bons frutos, que era a melhor opção no momento. E eu não achei que fosse fácil - no começo principalmente era quase insuportável - mas fui forte e cheguei num estado que (quase) acostumei meu corpo com isso. E nunca havia caído em tentação, até porque como já disse eu sempre fui sensata o suficiente pra recusar muitos convites para comer em locais que todos se comportariam como carnívoros e eu não tivesse opção de escolha.  Churrascaria? Você jamais me veria nem passando perto de uma, porque com o perdão do trocadilho, a carne é fraca. Até aquele dia. O dia que eu descobri uma churrascaria que realmente me agradava. Era um lugar aconchegante, parecia bom de se estar, divertido. Nunca havia entrado lá, só passava pela frente e observava como tudo parecia ser diferente de todos os outros lugares que já conhecia. Era tudo tão interessante por lá. O garçom num dia notou minha presença (hoje desconfio que ele tivesse notado antes, mas preferiu esperar para ter certeza que eu poderia ter algum interesse em aceitar a proposta que ele faria) chamou de canto e disse que eu deveria ir num determinado dia a noite para a churrascaria, que seria um dia muito especial com música ao vivo. E eu fui muito entusiasmada, certa de que não comeria nada, teria boas músicas, pessoas legais de se conversar e só. Uma amiga minha me alertou: "Mariinha, o que as pessoas vão fazer numa churrascaria é comer carne!!! Porque você realmente acredita que não vai ser isso que você vai fazer também?" E eu respondi que o garçom deve ter me chamado porque me via passando todos os dias por lá e porque teria música. Afinal, porque outro motivo ele me chamaria?  
Cheguei. Estava ansiosa para saber que ambiente me esperava e pela recepção que tive, vi que não estava enganada: aquele realmente era um lugar diferente dos outros. Fui me deslumbrando com cada mínimo detalhe e achando que provavelmente acharia alguma opção sem (muito) álcool pra beber, arroz, salada  talvez até soja por ali. Sentei e esperei ouvindo a tal música ao vivo, que por sinal foi outra diferente da que o garçom havia me prometido. Qual não foi minha surpresa ao ver num cartaz que aquela era a noite do “Coma quanta carne quanto puder” e todas as opções de comida além de carne foram retiradas das bandejas.  Menos de 5 minutos depois dessa constatação o garçom me recepcionou e colocou churrasco na minha frente. Olhei para a carne e fingi indiferença ao fato dela estar ali, pensei comigo mesmo “já tenho quase um ano sem comer isso, deve ter um gosto horrível”. 10 minutos depois o cheiro do prato já estava quase me conquistando, 15 minutos e eu já estava pensando que talvez um pedaço não me fizesse tão mal e mais 20 minutos depois já tinha certeza que se eu não a comesse, ela me comeria. Fugi daquele ambiente decidida a não voltar lá nunca mais na vida. Mas, assim “nunca” é uma palavra que eu não gosto de usar e muito menos de praticar a ideia por trás dela, então alguns meses depois eu voltei a passar pela frente de lá. Mas, só isso. Não entrava nunca. Quando o garçom me chamava, marcava um compromisso na mesma data, no mesmo horário. E o pior foi a falta de apoio dos meus amigos, que faziam questão de me dizer - sem nunca terem colocado os pés no local - que aquela churrascaria era incrível, que estava perdendo a chance da minha vida de saborear uma carne excelente, que não me faria mal. Mas, eu sempre pensava "vale a pena quebrar meu jejum de tanto tempo sem comer carne?". As vezes eu lembrava que ainda não havia explicado pra o garçom o porque da minha fuga naquela noite e nem achava que eu deveria dizer isso. Entenda, na sociedade em que vivo, sou vista como uma pessoa anormal, que estou perdendo o melhor da vida, que não sei aproveitar as coisas boas, que tem mau gosto, enfim, sou bastante incompreendida por não querer aquilo que é tão amado por todos os outros mortais. Logo, conhecendo essa realidade, não contei quem eu era e preferi deixar subentendido.
Meses se passaram e essa vida de ficar passando frente a churrascaria deixou de fazer parte da minha rotina. Foram meses muito felizes, em que eu quase esqueci o incidente ocorrido. Quase. Em pouco tempo, tudo ao meu redor mudou e de alguma forma quase incrível voltei a colocar a churrascaria como parte do meu trajeto de todas as semanas e temi pelo dia que teria que almoçar nela. Não demorou pra esse dia ocorrer. Era a segunda vez que veria o garçom depois do dia do "Coma quanta carne puder". Quando adentrei no espaço e vi o tal garçom só pensava "não me ofereça carne, não me ofereça carne, não me ofereça carne!". Ele me tratou como trataria qualquer cliente e eu fui me servir, com aquilo que esperava comer na primeira vez que fui lá: salada de legumes, salada de grãos, salada de folhas, arroz e quiche de soja. Li um bom livro, o garçom me ofereceu um copo de suco, conheci umas outras pessoas naquele dia e foi uma tarde muito agradável. Desde então comecei a frequentar mais a churrascaria e aquele garçom uma vez me falou que havia notado que por algum motivo eu era diferente de todos os outros clientes que passavam por lá. Talvez porque eu sempre recusava o prato mais pedido do local, não é mesmo. E eu sempre me perguntando o porque de não explicar para o garçom o que havia ocorrido meses atrás. 
Você já deve estar se perguntando onde essa história vai chegar. Porque até agora nada fez muito sentido até aqui, uma agonia toda por causa de um restaurante que vende carne e o fato de eu ser vegetariana. Hoje, vendo externamente fico me perguntando o porquê disso tudo também. Poderia ter só mudado de restaurante, levado meu almoço pra o trabalho, feito qualquer coisa. Mas, eu já disse mais de uma vez que eu gostava de estar lá, que eu fazia de lá casa e que por mais estranho que isso soe, as vezes tinha a sensação de que não existia nenhum outro restaurante que pudesse ser igual àquele. Entenda que esse parágrafo não serve para contar nada da história, serve apenas para eu tentar justificar o que me levou a criar toda essa situação insana fundamentada em nada. 
Quando eu comecei a achar que todo meu problema fundado na areia já tinha alcançado um grau de estabilidade tão alto que já beirava a solução, um dia em que eu entrei na tal churrascaria só para beber , observar o movimento, trocar ideias com Enrico (vamos nomear o garçom, porque nesse ponto da história ele deixa de ser apenas garçom para se tornar amigo) e me distrair, Enrico aparece com meu prato pronto. Sem carnes. Diz que hoje é por conta dele. Me olha com ar de incerteza e me pergunta o que houve na primeira vez que fui a churrascaria. Relutei em contar, mas ele tinha ar de compreensão e eu terminei contando do meu vegetarianismo. E ele afirmou que já desconfiava. E disse que nunca mais me ofereceria carne se eu não manifestasse interesse, para não me constranger nem tentar destruir minha dieta. Sorri. Percebi naquele instante que Enrico era um garçom raro. Tinha certeza que minhas idas as churrascarias não seriam mais as mesmas agora.
E a história poderia terminar aqui. Mas não faria sentido eu contar toda essa história se não houvesse mais nada.  Resumindo bastante a história, minha amizade com Enrico foi fazendo com que  ao menos uma vez na semana, geralmente as sextas eu ficasse muito tempo na churrascaria. Não apenas na hora do almoço, ficava lá horas observando os churrasqueiros, os clientes, os outros garçons,  tudo. Via as carnes, sentia o cheiro delas, quase poderia dizer o sabor que tinha. Mas, no fim das contas eu pensava " não vale a pena, não vale a pena. Foco na dieta." e ignorava a presença do churrasco na minha frente. Até que um dia meu juízo saiu do lugar e eu resolvi que ficaria até de noite na churrascaria. E sem me alimentar dos meus vegetais. E só eu, os churrasqueiros, Enrico e a carne. Não havia nenhuma salada que me enchesse os olhos. Eu só pensava em como fugir da carne. E chegou o momento do jantar de Enrico e eu sentia que meu estômago poderia ser corroído com o suco gástrico. (A sensação era parecida com as borboletas serelepes, mas isso é outra história) E por dois minutos quando vi meu amigo começar a ter intenção de comer, me perguntei o porque mesmo que eu havia feito a decisão por só comer vegetais, porque eu achava que não valeria a pena. E nenhuma resposta veio a minha mente, talvez porque na hora eu não tivesse nenhuma, talvez porque eu não havia pensado em nada.  E Enrico parecia que havia lido meus pensamentos e sem trocar uma palavra serviu meu prato exatamente igual ao dele. E eu não preciso detalhar o que ocorreu depois disso, acho que está meio óbvio sem que eu precise descrever cheiro, sabor e textura de nada. E essa foi a história de todo processo da minha quebra de abstinência de carne. Meu nome é Mariinha, sou uma vegetariana em ascensão e não como carne a 6 semanas.

Esse é um texto de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. E pra variar, o texto não faz total sentido, mas Mariinha já se acostumou a nunca fazer sentido nos meus contos. E não leve a sério as informações ditas aqui, por favor!!!  E se você chegou até aqui, considere a possibilidade de ouvir a música indicada lá na primeira linha , olhar a letra e a tradução da mesma

Um comentário:

Anônimo disse...

Uma história muito bem fundamentada, com todos os ingredientes que instigam o leitor a continuar a leitura. Ficção ou não, isso é só um detalhe, toda leitura nos remete a experiências vividas e lições que podemos tirar da mesma.

Este humilde leitor, ainda que não possua semelhante vernáculo que o da autora, parabeniza a mesma por tal obra.